segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O não-lugar da formação

por Dr. Marcos Villela
Disponível http://www.redenoarsa.com.br/biblioteca/07se03_04_7929.pdf


Entrevista cedida ao "Diário Do Grande ABC", página "Diário na Escola" de Santo André em 3 de dezembro de 2004.

A formação do professor não deve ocorrer apenas em espaços formais,ela também pode acontecer em ambientes diferentes, heterodoxos, que podem ser denominados de não-lugares de formação.Essa é a tese defendida
pelo diretor do DEIF
(Departamento de
Educação Infantil e
Fundamental da Secretaria Municipal de Educação)de Santo André, Marcos Villela, que realizou palestra sobre esse tema no último dia 20, no Parque Escola, para educadores da rede municipal de ensino. O primeiro passo para a apropriação das reflexões de Villela é acompanhar o raciocínio do educador sobre a crise da sociedade contemporânea.
Sociedade Líquida – Villela fala sobre as teorias do sociólogo polonês Zygmunt
Bauman que defende que os valores que estruturam a sociedade não são mais tão sólidos quanto eram na década de 1960. Atualmente os valores podem ser mais associados ao estado líquido do que ao sólido, por serem mais maleáveis e não
completamente absolutos, sólidos, permanentes e duráveis quanto eram. Essa reflexão se estende para os relacionamentos entre as pessoas, para a economia dos países e para modelos políticos. Houve a queda do muro de Berlim, o fim da União Soviética e do modelo polarizado de capitalismo e socialismo. A própria democracia se apresenta de diversas formas, portanto mais maleável. Mas essa transição dos valores sólidos para líquidos não pode ser considerada como fim dos valores. “Líquido
ão é sólido, mas também não é gasoso, ue se dispersa “, diz Villela.
para educador, essa liquefação de
relações e condições dissolve identidades e exige que as pessoas tenham maior
amplitude nos pontos de vista. Mesmo os
lugares já não são tão solidamente únicos.
“Antes cada coisa estava em seu lugar, hoje
você vai ao
supermercado e
também pode
pagar conta de
banco, por exemplo.
O supermercado é
também banco e o banco
também está na casa lotérica, no
correio, que estão dentro do
supermercado. Cada vez menos há lugares
que você identifica tão logo entra pois, lá
dentro, o sujeito adquire diferentes
performances: faz compras, paga contas,
joga.”
O diretor do DEIF traça um paralelo com
os chats e salas de bate-papo que proliferam
na internet. “A pessoa tem uma identidade
quando entra, um login e uma senha, mas
posteriormente pode assumir a identidade
que quiser. Mais bonita, atraente, mais nova
ou velha, diferente da identidade com a
qual entrou naquele mundo virtual.”
Não-lugar – Nesse contexto, a escola
também muda. Já não é mais uma
instituição tão sólida quanto foi no passado.
A formação para o professor atuar nessa
escola também é diferente. “Antes o local
de formação era a universidade, a
licenciatura, o mestrado. O professor era
uma coleção ordenada de informações
pouco ágeis. Mas para esse mundo de hoje,
nenhum desses lugares de formação dá
conta da formação. Hoje, há muitas
identidades”, afirma o educador.
De acordo com Villela, considerando
como verdade que a sociedade está se
liquefazendo, o professor já não pode mais
ser visto como o agente, o sujeito, o que
sabe. Porém, é assim que ele é
erroneamente preparado pela formação
acadêmica.
Dentro desse desafio de articular várias
realidades dentro da escola, o diretor do
DEIF pergunta: “Qual é o profissional que
deve ir para a sala de aula? Onde ele deve
buscar sua formação, nos lugares de
formação?”
Para Villela, a resposta está na busca
pelos não-lugares de formação – a praia, o
supermercado, a rua, a vida. O professor na
sala de aula é professor, fora ele é professor
e muito mais. “Quando muda o cenário, as
personalidades podem assumir outros
valores e isso não é usado como instância
de formação”, diz. Porém, não se descarta a
formação acadêmica. “Não se trata de
trocar, mas de acolher as instâncias de não
formação. Não é para gaseificar esse valor,
mas liquefazer.”
A criança de hoje é diferente daquela de
10 anos atrás. Ela tem novos e variados
repertórios: é telespectadora, é internauta.
“O professor precisa adquirir dispositivos de
apropriação e sistematização dessa
realidade.” O educador tem que olhar para
o mundo fora da sala de aula e entendê-lo.
Precisa considerar maneiras de entender o
supermercado.
Um caminho consistente para essa
formação, defende
Villela, está em um
questionamento
sobre o qual
professor deve
constantemente
refletir e se fazer:
“Como dou conta
das coisas que eu
não dou conta?”
Não se trata de
refletir sobre o quê
ele faz, mas de
como lidar com
aquelas situações
extremamente
desafiadoras. “Por
exemplo, quando não
dá conta de uma
pergunta da criança.
Como se portar? Ele pode
pedir um tempo, pode mandar
calar a boca. Não são meros recursos
pedagógicos, é o jeito do professor dar aula
que aparece nessa situação. Quando o
homem não consegue explicar e entender é
que ele faz esforços e movimentos para
compreender. Esse é o exercício da auto-
formação.”
No mundo liqüefeito, explica Villela, a
realidade se constitui a partir do olhar.
“Então, é preciso cuidar do olhar, é preciso
sempre perguntar como dou conta do que
eu não dou conta, pois isso faz o professor
se apropriar do seu olhar. Se isso está no
dia-a-dia, ele está o dia todo em formação,
permitindo-se infinitas possibilidades de
olhar o mundo. Sem regras, sem valores
universais. Formação não é formatação de
professores. A formação plana tem valores
com peso de formação universal. Sem
valores sólidos e verdades absolutas, um
valor importante é o cuidado que a pessoa
deve ter com as outras.”
O educador ressalta a importância da
experimentação. “Nessa sociedade não há
mais crise e, depois, estabilidade. Há
questões pipocando o tempo todo. O aluno
faz perguntas que deixam o educador
suando frio. Para respondê-las pede-se a
experimentação, o questionamento de
como eu dou conta das coisas que eu não
dou conta.”
Não significa que tudo pode, há
necessidade uma regularidade. “Trata-se de
liquefação e não gaseificação. Método é
pensar o tempo todo, de forma diferente da
que acontece no espaço formal.”

arquivo pessoal