domingo, 28 de junho de 2009

RESENHANDO "MEDO E OUSADIA"


Mariana de Andrade Doninelli*


EDUCAÇÃO LIBERTADORA E TRANSFORMAÇÃO DO PROFESSOR E DO SUPERVISOR EDUCACIONAL

O livro “Medo e Ousadia” (2008/ 12ª ed.) de autoria dos educadores Paulo Freire e Ira Shor aborda, em forma de diálogo, aspectos da Educação Libertadora. Como o texto se dá através de uma conversa entre o educador americano e o educador brasileiro, o texto se mostra acessível, de fácil entendimento, tornando-se mais prazeroso para o público leitor. Dentre os vários aspectos abordados sobre o tema EDUCAÇÃO LIBERTADORA na obra em questão, pretende-se destacar, nesta resenha, a questão da transformação do professor e, a seguir, o supervisor também como um educador libertador.

O primeiro questionamento que o professor deve se fazer, ao objetivar uma transformação voltada a uma prática libertadora é “Que tipo de ensino poderia provocar um conhecimento crítico?”. É tarefa primordial de o educador libertador abrir espaço de diálogo-discussão acerca dos temas da realidade, em relação à sociedade em que se vive, para que possa contribuir na formação crítica de seus alunos, no sentido de que esses possam passar a questionar aspectos como autoritarismo, ideologias, relações entre classes sociais e poder... Não existe liberdade sem abertura para diálogos democráticos que questionem fatores tais como uma sociedade dividida segundo raça, sexo e classe social; opressor e oprimido; e assim por diante.

Segundo Shor (p. 34), ao relatar experiência própria, a busca pela abertura de espaço para o diálogo e discussão crítica deve partir da realidade do próprio educando:

Criei condições em classe para que as pessoas pudessem falar de suas próprias vidas. Os que atendiam a esse convite revelavam as áreas de problemas que mais lhes interessavam. Eu questionava suas afirmações, propunha problemas críticos e tentava me educar a respeito do que significavam aquelas falas, como janelas abertas para a consciência de massa e caminhos que apontavam para a transformação.[...] Se (os alunos) percebem o entusiasmo do professor quando este lida com seus próprios momentos de vida, podem descobrir um interesse subjetivo na aprendizagem crítica.


O professor que está buscando transformar e seguir sua prática dentro da linha libertadora deve ter em mente que os alunos estão acostumados a uma educação autoritária, que lhes exigiu um comportamento meramente receptivo (não participativo) e passivo. Por isso, eles podem se mostrar inicialmente resistentes à sala de aula libertadora, a qual exige troca, pensamento crítico e ação participativa. É igualmente importante que o educador que busca a transformação de sua prática em libertadora saiba que não pode impor essa prática aos alunos, pois isso iria contra a ideologia da Pedagogia Libertadora, uma vez que a imposição de idéias está na base da educação tradicional, enraizada nos padrões do ensino-transferência. Na prática libertadora, pelo contrário, não se pretende impor, mas sim compartilhar idéias e abrir espaço de discussão crítica a cerca delas: “No momento libertador, devemos tentar convencer os educandos e, por outro lado, devemos respeitá-los e não lhes impor idéias.” ( FREIRE, p. 46). Segundo Ira Shor (p. 37), se o apelo libertador for rejeitado pelo grupo e o educador precisar retroceder aos padrões do ensino-transferência, isso não constitui motivo para desanimar ou desistir:

Se um curso não transcendia a pedagogia da transferência de conhecimento, isso não me fazia sentir fracassado. Apenas concluía que aquela situação não podia ser utilizada para a transformação. Os seres humanos envolvidos no processo não podiam iniciar a transformação naquele momento, naquele lugar e através daqueles meios.


Ainda segundo os autores, a ideologia tradicional é tão poderosa que é natural que os jovens professores precisem de experiências de sucesso para sentir que estão certos ao buscar a transformação de sua prática em uma prática libertadora, mas pode ser que estes êxitos não cheguem no primeiro ano. Nestes momentos, é preciso lembrar que a transformação libertadora ainda é possível e está potencialmente disponível algumas vezes, mas, nem sempre é possível alcançá-la pelos mesmos meios, pois não pode ser algo padronizado. De acordo com os autores (p. 38), “É a ação criativa, situada, experimental, que cria as condições para a transformação, testando os meios de transformação.” Neste sentido, penso que é necessário que o professor tenha em mente que é preciso experimentar e ousar, pois não há educação libertadora sem que o próprio professor tenha oportunidades de por em prática experiências pedagógicas.

Outro aspecto importante da educação libertadora é que ela, ao ser baseada no diálogo crítico e na troca de idéias e experiências, não é centrada no professor ou no aluno, pois vê ambos com equivalente importância no processo, visto que tanto o professor quanto o aluno te m o que ensinar e o que aprender nos momentos em que se estabelecem os diálogos críticos da Pedagogia Libertadora. Desta maneira, o ensino libertador se mostra mais democrático do que o ensino tradicional, em que o professor é o único detentor do saber e o aluno, por sua vez, é considerado um mero receptor desse conhecimento, que em nada pode contribuir na construção do mesmo. Se pensarmos a educação autoritária-tradicional sob este aspecto, é impensável sua existência nas salas de aula da atualidade, pois é sabido que nada se aprende ou se constrói sem o envolvimento direto do aluno. A aprendizagem só se dá quando esse aluno se torna sujeito da construção do conhecimento ao ser participativo e crítico em relação às questões abordadas em aula e às questões que se fazem presentes na sociedade em que vive. Nas palavras de Freire (p. 46):

A educação libertadora é, fundamentalmente, uma situação na qual tanto os professores como os alunos devem ser os que aprendem; devem ser os sujeitos cognitivos, apesar de serem diferentes. Este é, para mim, o primeiro teste da educação libertadora: que tanto os professores como os alunos sejam agentes críticos do ato de conhecer.


Um aspecto importantíssimo da educação libertadora é que ela visa uma transformação além da sala de aula, ou seja, a Pedagogia Libertadora visa levar ao empreendimento de ações que venham a refletir em uma mudança da sociedade. O educador que quer transformar a sua prática mediante essa perspectiva (abordagem libertadora) não pode ser ingênuo e precisa saber que a educação é política. Segundo Freire (p. 60):

Esta é uma grande descoberta: a educação é política! Depois de descobrir que também é um político, o professor tem que se perguntar: Que tipo de política estou fazendo em classe? Ou seja: Estou sendo um professor a favor de quem? Ao se perguntar a favor de quem está educando, o professor também deve perguntar-se contra quem está educando. Claro que o professor que se pergunta a favor de quem e contra quem está educando também deve estar ensinando a favor e contra alguma coisa. Essa “coisa” é o projeto político, o perfil político da sociedade, o “sonho” político. Depois desse momento, o educador tem que fazer sua opção, aprofundar-se na política e na pedagogia de oposição.


O professor libertador busca o fim da passividade e o desenvolvimento da percepção crítica em favor da mudança social. Estas são ações que na escola, por si só, não são suficientes para transpor o sistema da realidade social. Entretanto, são pequenos fatores que podem vir a contribuir de forma significativa para a transformação além da sala de aula. Ao contestar a educação tradicional, estamos contestando a reprodução da ideologia dominante, e esse é um pequeno passo em direção à transformação. É um passo pequeno se considerarmos todo o sistema social que aí está, porém, é um primeiro passo que pode vir a impulsionar uma corrida em direção à transformação social!

Para finalizar as considerações acerca da transformação do professor em educador libertador, é importante ressaltar que este deve examinar constantemente a sua prática de forma crítica, reinventando-a sempre que for necessário.

No que diz respeito ao papel da Supervisão Escolar no contexto da Pedagogia Libertadora, é importante ressaltar que não há ação isolada por parte desta que possa transformar a realidade. Por outro lado, a Supervisão poderia mobilizar o grupo que, em primeiro lugar, deveria observar a realidade na qual está inserido. Em segundo lugar, após essa observação por parte do grupo, o Serviço de Supervisão Escolar poderia oportunizar espaço de estudo e discussão acerca da Pedagogia Libertadora, analisando suas contribuições e possibilidades mediante a realidade da Instituição em questão e da sociedade em que está inserida. Somente após toda esta análise, o grupo, em conjunto, poderia decidir porque essa pedagogia deveria se adotada e como promover um trabalho que venha a contribuir de forma eficaz para que se dê uma real transformação. Desta forma, não vejo como papel da Supervisão a tarefa de “mudar / salvar o mundo” (ou toda a realidade de uma Instituição Educacional), mas sim a tarefa da abertura de espaços de discussões que venham a contribuir para a proposição de ações pré-acordadas (no grupo) que levem a uma mudança positiva. Assim, o supervisor, enquanto educador libertador necessita promover o diálogo crítico e apostar no compartilhamento de idéias e no aprendizado que se dão através da troca e que podem, efetivamente, contribuir para uma educação transformadora.

REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia- O Cotidiano do Professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra.12 ed. 2008.

* PÓS-GRADUANDA PELA FACULDADE CENECISTA DE OSÓRIO – FACOS
ESPECIALIZAÇÃO EM SUPERVISÃO E ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL

Disciplina: Aspectos Sócio-Filosóficos da Educação Contemporânea
Profª Rosane O. D. Zimmer

FORMAÇÕES DA RESENHADORA:
CURSO NORMAL DE NÍVEL MÉDIO; CURSO SUPERIOR DE LETRAS- HABILITAÇÃO EM LÍNGUA INGLESA; ESPECIALIZAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO E SUPERVISÃO ESCOLAR; ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL
ATUAÇÕES:
PROFESSORA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUPERVISORA ESCOLAR DO MUNICÍPIO DE CAPÃO DA CANOA/RS



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