sábado, 29 de agosto de 2009

SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA DA GESTORA/SUPERVISORA

RESENHA BASEADA NA OBRA DE PAULO FREIRE - PEDAGOGIA DA ESPERANÇA: UM REENCONTRO COM A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

Por Ana Fausta Borghetti*


Introdução

A obra a ser trabalhada nesta resenha é Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido, de Paulo Freire. Esta obra foi escolhida num momento em que a aluna estava procurando motivos para voltar a acreditar na instituição escola, no grupo de professores e funcionários como uma equipe que sonha, que briga, que luta por ideais. Motivos que façam com que sonhemos novamente com uma sociedade igualitária, respeitosa, que consiga enxergar ao seu redor e, que confirme que esta construção passa pela educação.

O título Pedagogia da esperança um reencontro com a pedagogia do oprimido já nos enche de expectativas para uma leitura que nos mostra que é possível esta construção de instituições capazes de auxiliar o ser humano no verdadeiro encontro consigo mesmo. Instituições com pessoas capazes de tornarem-se melhores, evoluírem, crescerem e enxergarem a grandeza deste processo.


Apresentação do Autor e da Obra

Paulo Freire é um dos pedagogos brasileiros mais conhecidos no mundo por nos trazer reflexões, na sua maioria, simples sobre o verdadeiro significado da educação, sobre o verdadeiro papel do professor, sobre a grandeza da relação professor – aluno. Este pernambucano foi um menino que cresceu em meio à pobreza o que, de certa maneira, o obrigou a ver e ouvir o mundo e as pessoas com o coração e este é o seu diferencial, este é o seu maior ensinamento: ver e ouvir com o coração.

A Pedagogia da esperança começa trazendo momentos muito marcantes vividos na pedagogia do oprimido: momentos do exílio – momentos de medo, de saudade, de ESPERANÇA. “Na minha primeira noite em La Paz, ainda sem sofrer o mal da altitude que me atacou no dia seguinte, refleti um pouco sobre a educação da saudade, que tem a ver com a Pedagogia da esperança.” (p. 34)

Acredito que tenha sido neste momento que nasceu a Pedagogia da Esperança, mas a obra nos traz também momentos em que o autor convive com camponeses, com pessoas simples, conhece suas verdades, suas crenças e, assim, entra em contato com a SABEDORIA DO POVO.

Minhas longas conversas com pescadores em suas caiçaras na praias de Pontas de Pedra, em Pernambuco, como meus diálogos com camponeses e trabalhadores urbanos, nos córregos e morros do Recife, não apenas me familiarizaram com sua linguagem mas também me aguçaram a sensibilidade à boniteza com que sempre falam de si, até de sua dores, e do mundo. (Freire, 1994, p. 69)
A obra foi escrita na década de 90 em meio a “democratização da sem vergonhice que vem tomando conta do nosso país” (p.10). Neste momento, o povo sai as ruas o que para o autor é motivo de esperança. Esperança de uma verdadeira democracia, com a participação efetiva do povo. Freire ainda dizia: “Há uma esperança em cada esquina.” (p.10)

Neste ensaio, Paulo Freire nos conta sobre visitas a países da América Latina, Central, Caribe e África para (re)discutir idéias que estão na Pedagogia do Oprimido. E palestrando, conversando, visitando, vivendo, revive e, algumas vezes, esclarece, os principais pontos abordados na Pedagogia do Oprimido.

Durante a obra, Paulo Freire não cria uma educação elitista, mas tem a coragem de num país elitista propor uma educação popular e, sua teoria é muito simples – é auxiliar na construção de um ser humano humanizado. Mas, para que isto aconteça, é necessário que antes, nós profissionais da educação nos humanizemos e, isto só acontecerá no momento em que nos enxergarmos, não com egoísmo e arrogância, mas como seres em construção, em busca de sermos melhores a cada dia, a cada encontro e, nos permitamos entender e respeitar, sem julgamento, que o nosso aluno e o nosso colega, também está em construção.

...quem sabe possa ensinar a quem não sabe é preciso que, primeiro, quem sabe saiba que não sabe tudo; segundo, que, quem não sabe, saiba que não ignora tudo. Sem esse saber dialético em torno do saber e da ignorância é impossível a quem sabe, numa perspectiva progressista, democrática, ensinar a quem não sabe.(Freire, 1994, p.188)

O importante é assumirmos o papel de aprendizes neste grande laboratório que se chama vida. Assumir o papel de aprendiz nada mais é do que agir – refletir – agir, que é uma das categorias de Paulo Freire.


Categorias

A primeira e, talvez principal categoria que aparece na obra é o inédito-viável. O próprio título nos aponta a existência desta categoria e pode ser comprovada quando Freire coloca que o exílio traz muitos sentimentos mas, em especial da esperança. A esperança de voltar para casa, de rever a família, amigos, de receber uma carta e, de maneira mais profunda de mudar valores de um país.

O saber necessário à gestora/supervisora quanto a esta categoria é de nunca perder a esperança em relação ao utópico, em relação ao auxílio na construção de seres humanos melhores, mais iluminados, de instituições voltadas para todos, para uma aprendizagem de evolução. É preciso ter coragem para ultrapassar “situações-limites” e caminhar em busca do sonho realizável e, junto a esta realização humanizar e concretizar o ser-mais. (p. 207)

Pode-se apontar neste período de exílio que o momento político-histórico que se vivia na América Latina traz na sua essência o papel da Supervisora, uma profissional que controla alunos e, principalmente, colegas, auxiliando ideais ditatorescos.

A segunda categoria encontrada é do senso-comum. A sabedoria e cultura populares não podem morrer pois caso isto aconteça, morrerá a humanidade. Para tanto, urge a necessidade de gestores, supervisores e educadores em geral entenderem a importância do “respeito ao saber de experiência feito” (p.28).

Não são os alunos que têm que entrar no nosso mundo; nós é que temos que entrar no mundo deles. “A necessidade de que, ao fazer o seu discurso ao povo, o educador esteja a par da compreensão do mundo que o povo esteja tendo. (p. 27)

Nesta categoria, o saber necessário à gestora/supervisora é de sempre respeitar a realidade e o nível de desenvolvimento de seus alunos e colegas e, entender que o saber popular é tão importante quanto o saber científico. Questionar a sabedoria acadêmica que até então não auxiliou na construção de uma humanidade mais humana e, considerar a sabedoria popular.

Temos dificuldade de “ver” o outro. Pensamos que o nosso discurso todos entenderão e é neste momento que afastamos o outro. No exato momento em que não nos permitimos entrar no mundo deles. “Está aqui uma das questões centrais da educação popular – a da linguagem como caminho de invenção da cidadania” (p. 41)

Outro saber necessário encontrado aqui é de permitir que nossos alunos e colegas tenham voz – a sua voz, não o discurso formatado na escola e na academia, mas o discurso de vida deles, da sua realidade, das suas vivências. E, nós, precisamos ter a sensibilidade de conhecendo esta realidade, permitir a troca e o crescimento. Mas, para que consigamos dar voz aos outros é necessário que aprendamos a ouvir. Mas não é um simples ouvir, é ouvir com atenção, é o corpo todo estar centrado neste ato. É entrar em sintonia com o outro.

Freire confirma a importância deste discurso quando nos diz “na verdade, é no jogo das tramas de que a vida faz parte que ela – a vida – ganha sentido” (p. 35). E, nós educadores, supervisores, gestores, temos sempre pronto um discurso formatado e idealizado e, na maioria das vezes, damos pouca importância ao jogo de tramas da vida e ao aprendizado que este traz intrínseco.

Isto me leva a pensar na falta de comprometimento e de vontade que nossos alunos têm hoje. Qual o significado da escola para eles? Quais relações e aprendizados acontecem no ambiente escolar? Será que o nosso discurso não está muito distante, sem significado para estas crianças e adolescentes? Será que nós não estamos falando só do sal enquanto eles gostariam de falar do tempero como um todo? Aqui também podemos levantar a questão da interdisciplinaridade, da nossa divisão em caixinhas, da compartimentalização do conhecimento.



Considerações finais

O que fica muito claro é que nós supervisores/gestores/educadores precisamos nos voltar para a terceira categoria de Freire que está neste contexto que é a da ação – reflexão – ação. Não podemos nos considerar seres prontos, formados, que tem mais conhecimento que os outros porque isto é, no mínimo, questionável. Faz-se necessário criar ambientes de crescimento mútuo, de espaço para todos, um ambiente onde alunos e professores estudem, cresçam, desenvolvam-se como seres humanos e, para isto é fundamental que questionemos atitudes, problematizemos conteúdos e toda a realidade escolar.

Para finalizar trago Leonardo Boff, que no meu entender, coloca através de um pensamento o momento que nos encontramos e sugere a solução.


Uma asa mais uma asa...

O ser humano é semelhante a um anjo que entrou numa grave crise ao cair e perdeu uma asa. Com uma asa só não consegue mais voar. O que faz então? Abraça-se a outro anjo que também caiu e perdeu uma asa. Assim, um completa o outro. Abraçados, têm novamente duas asas. Superaram a crise. Erguem vôo e conseguem voar para seu destino.

Se não fossem solidários e se não se abraçassem mutuamente, estariam definitivamente perdidos. Uma asa mais uma asa não são duas asas, mas um anjo inteiro que recupera a sua integridade e sua capacidade de voar- e de voar nas alturas, realizando o chamado de sua natureza. (Boff, p. 110)

A partir do momento que supervisores, gestores, educadores em geral enxergarem-se e auxiliarem-se mutuamente, com certeza, estarão aptos para acolher e auxiliar crianças e adolescentes na sua evolução neste planeta.




* Graduada em Secretariado Executivo Bilíngue - Português/Inglês - Unisinos - 1993
Pós-graduada em Administração de Marketing - Unisinos - 1994
Pós-graduada em Gestão e Supervisão Educacional - FACOS - 2008

Professora horista do Centro Universitário Univates - desde agosto/2006
Diretora do Colégio Cenecista Mário Quintana - desde janeiro/2007
Vice-diretora do Colégio Cenecista Mário Quintana - de jan/2005 a dez/2006
Coordenadora do Centro de Línguas do Colégio Cenecista Mário Quintana - CMAQ 2001 a 2004
Professora de Língua Inglesa e Língua Italiana do Centro de Línguas do CMAQ 2000 a 2004
Coordenadora do Laboratório de Informática do CMAQ - 1995 a 2000
Professora de teatro, instrutora do Clube de leitura do CMAQ - 1997 a 1999


Resenha realizada na disciplina de Fundamentos Políticos-filosóficos e Sócio-pedagógicos da Gestão e Supervisão Educacional no curso de Lato Sensu em da Gestão e Supervisão Educacional/FACOS- na cidade de ENCANTADO/2007 pela docente Rosane Oliveira Duarte Zimmer

Referências bibliográficas

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 3ª. Edição, 1994, ed. Paz e Terra.

BOFF, Leonardo. A força da ternura – pensamentos para um mundo igualitário, solidário, pleno e amoroso. 1ª. Edição, 2006, ed. Sextante.

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