sábado, 16 de maio de 2009

Quis ser como outras mulheres

de Rosane O.D.Zimmer*

Dia desses quis mudar.
Quis ser como outras mulheres...
Mulheres que venho aprendendo a admirar.

Quis ser como outras mulheres, como Hipácia de Alexandria
para ser mulher inteligente, grande cientista.
Mulher de corpo e de mente poderosos.
Como Hipácia de Alexandria, queria ser filha educada por Theon para tornar-me um ser humano mais perfeito,
conhecer a geometria, astronomia, filosofia e matemática,
desenvolver estudos, inventar instrumentos,
resolver problemas.
Ser diretora da Academia.

Quis ser como Hipácia de Alexandria
para ser mulher inteligente, grande cientista. Mulher de corpo e de mente poderosos.
Hipácia morreu muito cedo. Em nome de Cirilo, o Doutor da Igreja, foi cruelmente torturada, esquartejada por conchas e cacos de cerâmica, foi queimada.
Mas não quis ser como algumas Mulheres de Atenas, do Chico,que vivem para seu maridos, que não choram, se ajoelham.
Nem com algumas de Bangladesh que recebem ácido no rosto como punição à rejeição de investidas sexuais, a casamentos arranjados.


Quis ser como outras mulheres, como Leila Diniz
para quebrar a cara da repressão, para escandalizar a sociedade hipócrita.
Mulher para chocar o Brasil maltratado pela política obscena.
Mulher jovem, uma musa, com corpo para transar de manhã, de tarde e de noite.
Como Leila Diniz, queria ser diva da esquerda radical, causar furor em entrevistas
e romper com os tabus da mudança, dizer palavrão,
estrelar Tem banana na banda.
Ser a grávida do ano no saudoso programa do Chacrinha, sem vergonha alguma.

Quis ser como Leila Diniz
para quebrar a cara da repressão, para escandalizar a sociedade hipócrita.
Mulher para chocar o Brasil maltratado pela política obscena.

Leila morreu muito cedo.
Foi invejada, criticada, malvista, foi vulgar para
homens e mulheres de sua época.
Adormeceu no vôo JAL471 com 27 anos, junto de diário.

Mas não quis ser como aquela menina Osama, na obra de Barmak, ninfeta que mente aos talibãs, sentenciada a viver ao lado de outras três esposas do velho Mulá.
Nem como algumas mulheres da Índia,
viúvas, incluídas no ritual de cremação dos maridos.
Como
Quis ser como outras mulheres, como Maria Bonita
para ser a primeira cangaceira, ser mulher de meu Lampião,
para viver na caatinga, na mata branca, para amar, acordar e fazer café.
Mulher bonita, baixa, cheinha, de cabelos e olhos escuros, de dentes bonitos.
Como Maria Bonita, queria ser sertaneja, brava, fiel ao meu bandoleiro errante e nascer mulher em dia de mulher.
Ser a María bonita, Maria del alma, de Caetano, para así entregarte toda mi vida.

Quis ser como outras mulheres, como Maria Bonita
para ser a primeira cangaceira, ser mulher de meu Lampião,
para viver na caatinga, na mata branca, para amar, acordar e fazer café.
Mulher bonita, baixa, cheinha, de cabelos e olhos escuros, de dentes bonitos.

Maria morreu muito cedo.
Viveu o primeiro casamento infeliz, fugia para a casa dos pais. Teve abortos, viveu oito anos à margem, revoltou-se com a miséria, com a exploração dos coronéis.
Foi degolada viva, em Angicos, pela polícia armada oficial.

Mas não quis ser como algumas chinesas que mesmo depois do infanticídio feminino seguem exploradas e desprezadas social e culturalmente.
Nem como algumas mulheres asiáticas ou africanas adúlteras,
apedrejadas, com pena de morte, como Safiya Hussaini e Amina Kurami

Quis ser outras tantas mulheres, como as
mulheres de muitas histórias do mundo.
Mulheres que não apenas nascem, mas se tornam, como dizia Beauvoir.

Quisera poder esquecer que essas mesmas mulheres sofreram e outras continuam a sofrer tantos males. Males originários da desigualdade, da discriminação. Vitimadas pela violência doméstica, pelo abuso sexual são agredidas, violadas na infância, na maturidade, na senilidade. Carentes em saúde reprodutiva, morrem. Morrem de miséria, morrem analfabetas, morrem em refúgios, morrem de aids, fome.
Lutam e mantém o legado por um mundo mais digno.
Quis ser como outras mulheres.

* In: BRAZIL; ZIEGER, L. Bruxas e fadas: poemas em flor. Porto Alegre: Editora Evangraf Ltda., 2007. p. 78-80

Um comentário:

  1. Rosane!!! Parabéns pelo teu blog.
    Te desejo tudo de bom que a vida possa te oferecer.
    Um forte abraço do teu amigo e colega
    João Ramos

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